sexta-feira, junho 29, 2007

Melhor que ter cartão da casa

Melhor que ter cartão cliente, ou cartão da casa, é ter um DR antes do nome. Um diploma ou um curso universitário abrem portar como nem por vezes o dinheiro abre. É impressionante a forma como muitos se atemorizam ao ver que antes do nosso nome existem as letras mágicas D e R e o processo de bajulação e humilhação que se segue depois disso.
Praticamente todos os dias confirmo isto, infelizmente. Digo infelizmente porque é preciso dar uma cédula como documento de identificação, em muitos serviços, para que me tratem com atenção, simpatia, educação e profissionalismo. São imensos os serviços, públicos ou privados, que me atendem a mim e a terceiros de uma forma nada louvável, mas mal sabem que ali está um licenciado em Direito, ou alguém com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, ajoelham-se praticamente aos nossos pés, dispondo-se a fazer tudo o que lhes for pedido e até o que não é pedido, mas possa eventualmente vir a gostar.
É triste ver situações em que passam do 8 ao 80 numa questão de segundos. Não peço que me recebam com uma passadeira vermelha e dez virgens a lançarem pétalas por onde passo, nem tão pouco que me dêem um sorriso de orelha a orelha. Só peço que me atendam de forma educada, competente, simpática e profissional. É o que se espera de serviços onde se contacta com o público.
Quem já passou por isto, sabe o que digo. Quem nunca passou, vai acabar por saber. É chato, mas há sítios em que atendem francamente mal, e se recusam aceder à simples vontade, legítima, do cliente. Nesses casos, ao exibirem um documento que comprove a vossa actividade, terão livre acesso ao paraíso, pois passam a ter humildes escravos ao vosso dispor, em vez de empregados mal educados. Acreditem no que vos digo: eles fazem de tudo só para nos agradar minimamente.
Acaba por ter a sua graça, mas ao mesmo tempo acaba por não dar tanto gozo assim. Afinal, o que é que distingue um advogado, de uma empregada de limpezas, de um servente de pedreiro, de um engenheiro e de um simples funcionário de loja? Não somos todos consumidores e seres humanos? Não devíamos todos ser tratados por igual?

2 comentários:

Titá disse...

Subescrevo totalmente o que aqui foi dito hoje. Se há algo que me irrita ( apesar de às vezes , me ser igualemnte útil, confesso)é o 80 depois de mostrar a certidão, quando ali, mesmo ao nosso lado está alguém que, até pode precisar mais, até tem maiores qualidades, até é mais pertinente, mas...não tem o DR e é tratado com desprezo e arrogância, esquecendo-se esses senhores prestadores de serviços, que são cidadãos com direitos. Direitos iguais a qualquer Dr.
Enfim, volto a dizer: é o país que temos... o povo que temos.
E como mudar isto?
Estaremos de facto interessados em mudar isto?
Ou por outro lado, até nos dá jeito e muitas vezes até já o fazemos propositadamente?
Não teremos nós também uma quota parte de culpa?
Um beijo e um bom dia para ti

Bernardo Rosmaninho disse...

"Não peço que me recebam com uma passadeira vermelha e dez virgens a lançarem pétalas por onde passo(...)"

Eu fiquei seriamente a meditar na parte das dez virgens a lançarem pétalas...

Espero que estejas bem. Um abraço. Bernas


PS: Bom texto. Infelizmente tratando-se de um problema intrínseco à nossa maneira de ser, dúvido que alguma vez possamos erradicar tais condutas.

Sobretudo quando grande parte (não confundir com a totalidade) das classes dominantes portuguesas subscreve as mesmas.

O português é adepto do compadrio e da reverência provocada por uma certa estratificação social que, paradoxalmente, não possuímos.

Talvez o tempo cure este mal a que o isolamento (no meu ver) nos condenou. Isso e o exemplo de outros países, outras sociedades, que neste campo são um pouco mais avançadas...