Manuela Moura Guedes conseguiu hoje o que não havia conseguido – pelo menos comigo – até hoje: manteve-me agarrado a um ecrã. No entanto, esta vitória apresenta-se de forma parcial dado que não fiquei preso à televisão para visionar qualquer serviço noticioso.
Não. Hoje vi uma longa-metragem de conspiração e espionagem protagonizada por Manuela Moura Guedes.
A trama principal fala de um tal de José Sócrates, primeiro-ministro de um pequeno país europeu, que foi alvo de um perseguição jornalística por parte de Manuela Moura Guedes, uma jornalista casada com o Director-Geral da estação de televisão TVI mas obcecada com o Primeiro-Ministro. Após vários meses de perseguição e muito incómodo causado a Sócrates, este mostrava-se bem mais tranquilo porque o Jornal de Moura Guedes havia entrada em declínio.
Os protagonistas que levaram Moura Guedes ao descrédito emergem nesta fita em três cenas fulcrais que importa dissecar:
Numa altura em que a narrativa revelava uma Moura Guedes confiante e poderosa, esta comete o erro de convidar o Bastonário da Ordem dos Advogados para uma entrevista emitida em directo. Numa cena filmada e editada como um jogo de ténis, com planos fechados mas rápidos e dinâmicos, vemos o Bastonário, magistralmente interpretado por um ferveroso actor chamado Marinho Pinto, descredibilizar o teor e a qualidade do jornalismo de Moura Guedes, lançando ondas de choque pelo país, que se levantou para bater palmas a essa intervenção crua e incisiva que constitui o primeiro revés da nossa actriz principal (primeiro momento de antologia em que os valores morais da liberdade, da dignidade e do direito à honra são instilados no espectador. Um belo momento de cinema);
Numa segunda cena muito rápida, vemos o Sindicato dos Jornalistas e a Entidade Reguladora da Comunicação Social denunciarem também a violação dos valores éticos da profissão e a pouca dignidade jornalísticas das peças emitidas por Moura Guedes, e favorecendo, concomitantemente, a causa do primeiro-ministro – Nesta cena, os espectadores começam a perceber que têm de filtrar as campanhas de Moura Guedes e nota-se um certo esvaziamento da influência de Moura Guedes sobre o destino do Primeiro-Ministro.
Numa lógica de crescente tensão, vemos que o grande escudo de Moura Guedes, o seu marido, começa a manifestar interesse em abraçar outro projecto profissional, jogando ele também com toda a situação política que lhe dá uma excepcional margem para negociar a sua saída (qualquer saída brusca poderia ser manipulada para parecer que havia sido afastado e Moniz, um veterano, soube jogar com isso. Há uma cena intensíssima em que Moura Guedes ameaça Moniz para não apresentar uma pré-candidatura a um clube de futebol, sabendo ela que o seu jornal ficaria enfraquecido e sem possibilidades de se aguentar numa grelha liderada por qualquer outro director.
No entanto, Moniz sai mesmo, abraçando um projecto concorrente da TVI e isolando Moura Guedes.
Neste momento da fita, pensamos já ter desvendado o final: Sócrates desvaloriza de tal forma o jornalismo de Moura Guedes, passando por cima desta na campanha eleitoral com indiferença.
No entanto, em meros 3 dias, uma estratégia insidiosa e inesperada é montada e posta em prática:
Moura Guedes começa por dar uma entrevista em que afirma que a sua entidade empregadora seria estúpida se a mandasse embora. Moura Guedes mostra que, para subordinada, tem mais discernimento e poder que os senhores de fatinho lá do Conselho de Administração (em que pontificam uns amigos de uns amigos do partido do Primeiro-Ministro) e os espectadores sentem-se, de certo modo, identificados e vingados por nunca poderem ter dito semelhante coisa a um qualquer empregador; posteriormente, Moura Guedes vai começando a avisar que tem uma peça sobre um caso judicial que vem tentando colar ao Primeiro-Ministro, tarefa na qual Moura Guedes já teve mais sucesso do que tem actualmente; Porém, sem ninguém na sala esperar, o Conselho de Administração vem suspender o Jornal de Moura Guedes e esta demite-se em nome do valor constitucional da “liberdade de informação”, naquilo que foi comentado por todos os sectores da política como uma ingerência do Partido do Primeiro-Ministro na liberdade de informação.
O pano acaba com o Primeiro-Ministro a ser crucificado por todos, até por antigos criminosos (entre eles destaco um tal de Aguiar-Branco e um Paulo Portas que de ar compungido atiram pedras sem que ninguém os lembre dos seus crimes provados e julgados) e sem que a fita adiante qual o fim político do Primeiro-Ministro…o desfecho fica à imaginação dos espectadores.
Pontuação 1* em 5*(a evitar)
Valeu pela tensão política e pela primeira metade do filme mas o fim é risível e pouco credível.
Principais incoerências:
1. Se os amigos do Primeiro-Ministro já mandavam no jornal da Moura Guedes há tantos anos, porque é que não o suspenderam quando este lhe fazia tanta mossa e estava incontrolado?
2. O filme passa a tese que Moniz foi afastado pelo poder político. Fica por explicar se foi o Primeiro-Ministro que o convenceu a anunciar a pré-candidatura a um clube de futebol.
3. A tese de conspiração política fica muito enfraquecida dado que a oportunidade e o momento da suspensão do Jornal de Moura Guedes traz consequências negativas incomensuráveis para o Primeiro-Ministro e beneficia directamente a oposição ao Primeiro-Ministro. Uma falha lógica num argumento que deveria ser revisto.
4. O realizador poderia ter introduzido uma maior moralidade no filme ao condenar os antigos políticos que comprovadamente limitaram a liberdade de imprensa. Porém, talvez o realizador queira interrogar o espectador sobre a leviandade e imoralidade da campanha lançada.
Filme de qualidade duvidosa mas que se prevê um sucesso de bilheteira. Bem, quem é que não gosta de uma boa fita de ficção?
Puro entretenimento este modo de fazer política.
2 comentários:
Ora, duvido que o caso vá trazer algumas consequências. Antes de mais, porque o afastamento de MMG é na realidade absolutamente saudado por tudo quanto seja eleitor de esquerda, fora das declarações políticas.
Mas é evidente que isto há dois factores fundamentais na coisa:
- MMG iria necessariamente ser afastada pelos riscos de fugas de informação, pura e simplesmente conseguiu o objectivo de sair fazendo-se de vítima;
- saindo JEM, MMG seria a vítima seguinte numa lógica de alteração radical da imagem das notícias da TVI. A respectiva informação está bastante queimada em muitos sectores da sociedade, e para recredibilizar o canal este era um passo fundamental. Não duvido que MMG fosse um factor que afastasse muita gente da informação da TVI, e menos audiências menos dinheiro etc. etc. Ou porque é que julgam que JEM foi afastado ? Bastou os resultados operacionais descerem bastante e pimba cá está. É que enquanto deu dinheiro tudo bem, não dando era evidente que iria cair...para mais quando em Espanha na comunicação social não há hipocrisias como cá com a independência do jornalismo: toda a gente sabe que o El País é do PSOE, e que o El Mundo e o ABC são do PP. E a coisa é basicamente assumida.
O que fica bem nesta fotografia é ver a lógica de justiça do candidato a ministro da justiça do PSD...
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