quinta-feira, setembro 24, 2009

É a minha visão do mundo que está em jogo!

Junto à janela do meu quarto, senti uma vontade incontrolável de redescobrir e folhear livros antigos que os meus pais coleccionavam, tendo encontrado, entre Mao, Steinbeck e Pasternak, um livro de discursos de António Oliveira Salazar.

Em 1942, o Professor António Oliveira Salazar proferia este discurso:

"Num sistema de administração em que predomina a falta de sinceridade e de luz, afirmei, desde a primeira hora, que se impunha uma “política de verdade”. Num sistema de vida social em que só direitos competiam, sem contrapartidas de deveres, em que comodismos e facilidades se apresentavam como a melhor regra de vida, anunciei, como condição necessária de salvamento, uma “política de sacrifício”. Num Estado que nós dividimos ou deixámos dividir em irredutibilidades e em grupos, ameaçando o sentido e a força da unidade da Nação, tenho defendido, sobre os destroços e os perigos que dali derivaram, a necessidade de uma “política nacional”.

Face à situação do país, onde faltava - segundo ele - seriedade, sinceridade, mérito e responsabilidade, o digníssimo Professor escolheu o seguinte slogan de mobilização:

"Política de verdade, política de sacrifício, política nacional, é o que se há feito, é o que entendo vós aplaudis na vossa mensagem." (Discursos, volume 1º , pág. 23).

Da minha janela ainda, não pude deixar de vislumbrar um cartaz de campanha de Manuela Ferreira Leite.

Mais de meio século depois, Manuela Ferreira Leite tenta passar a mesma ideia de Portugal que Salazar outrora conseguiu: um país triste, dividido, onde reina a irresponsabilidade e o compadrio, um país cuja face não irradia seriedade.

Face a este diagnóstico, Manuela Ferreira Leite anuncia o seu compromisso com a verdade:

"Há outra forma de fazer política. Com verdade. Com seriedade. Com dignidade."

A Verdade passa a ideário exclusivo da sua campanha. É repetido até à exaustão. A verdade que os outros não têm e que Portugal precisa. A verdade de Manuela até se confundirem uma e outra, até uma não poder viver se não alojada no corpo da outra.

Falar Verdade. Combater a preparação porque é alterar as valias inatas de cada um. Falar Verdade. Combater o optimismo que é próprio do condicionamento mediático. Falar Verdade, doa a quem doer.

A Verdade, mais de meio século depois, vem agitar as bandeiras do medo, da protecção, da coacção que a liberdade produz. Vem rotular os adversários com os epítetos mais difamatórios, de forma velada mas insinuante, pois só após o desmascaramento daquele que oprime o povo, poderá este aspirar a ver e receber a Verdade.

A Verdade, mais uma vez, merece que todas as barreiras sejam derrubadas para a alcançar, mesmo que tal jornada ponha em causa os princípios acessórios da Verdade - a seriedade e a dignidade - porque só esta linguagem poderá derrotar os ímpios.

A Verdade, mais de meio século após a primeira batalha, evoca novamente a libertação dos que se deixam controlar pelo medo e dos pobres que nem percebem estar a ser controlados em nome da liberdade e tolerância que aqueles que urge derrubar advogam.

A Verdade ganhou! Enquanto me perdia naquela montanha de livros com cheiro seco e bafiento, a Verdade desmascarou o Demónio que assolava Portugal e afirmou-se. Dia 27 de Setembro marca o afirmar da verdade face ao mal que assolava o país.

Avisto tudo da janela do meu quarto com um misto de incredulidade e dormência que se instala e propaga pelo meu corpo, abafada apenas pelo paradoxal bater de coração que sinto com inusitada clareza. Um sentimento visceral que não é acompanhado pela consciência de que algo está errado, apenas por uma sensação errática e confusa.

Daquela janela, vejo as pessoas saírem à rua no que parece um ambiente de festa mas...os seus movimentos apresentam-se robotizados, estranhamente ordenados e falsamente efusivos. Sinto o meu corpo arrefecer, letárgico e atónito perante tal cenário.

Durmo.

Sinto que a Verdade é absoluta, tal como absolutista é quem a advoga. A Verdade limita-me, corrói-me e impõe-me uma visão unidimensional que rejeito. Hoje vivo com medo. Dia 28 de Setembro trouxe-me a verdade. Eu não a reconheço. Sinto-a esguia, a escorregar de forma incómoda pela minha corrente sanguínea, como se tivesse sido implantada coercivamente, deixando sequelas.

Todos me dizem: Esta é a Verdade, agora vês claramente o mundo e o teu lugar nele. Deixaste de recear o controlo silencioso que a liberdade te impunha. O teu livre desenvolvimento não passava de uma fachada para cercear o teu papel na sociedade. Agora és livre, esta é a hora da Verdade.

Acordo suado. O despertador a piscar. Tudo não passou de um sonho, um sonho onde a Verdade era um objecto apreensível e detido por uma elite séria e credível, de acordo com a Verdade que me trouxe dia 27 de Setembro.

Continuo sem dormir bem desde essa fatídica noite...e aquele cartaz "Chegou a Hora da Verdade" teima em irromper todas as noites pelo meu quarto.

Tal como o livro de discursos de Salazar, também a Política de Verdade está à distância de um olhar. Ainda que eu opte por desvalorizá-la, ela está a moldar o dia e este momento da história.

Agora sei que não posso ficar no quarto enquanto o combate se desenrola, por muito que os livros e a janela aberta para o mundo me fascinem e prendam. É a minha visão do mundo que está em jogo.

2 comentários:

DSF disse...

Infelizmente, o meu querido e bom amigo DVS caiu na mesma táctica básica que José Junqueiro, João Soares e tantos outros utilizaram nesta campanha: colar o discurso de Manuela Ferreira Leite a um discurso de Salazar.

Esperava que fizesse uma crítica ou elogio ao facto de o PSD querer acabar com o PEC; gostava que comentasse o facto de o PSD querer criar uma conta-corrente entre Estado e empresas; gostava que me fizesse uma análise ao facto de o PSD querer suspender o TGV.

Mas não, preferiu trazer à discussão política este discurso do salazarismo, ele sim bafiento por ter sido proferido até à exaustão por Pedro Silva Pereira, Augusto Santos Silva e as outras personalidades citadas.

Lamentavelmente não vi uma ideia neste post. Não vi nada. Apenas frases feitas e já com direitos de autor.

Vou associar este post lamentável apenas ao facto de estarmos a viver uma período eleitoral que traz consigo uma grande dose de emocionalidade e irracionalidades, que faz com que o autor deste post, que eu posso garantir que é uma pessoa inteligente e sensata. Porque eu sei que em circunstâncias normais ele não teria sido escrito.

ATG disse...

Ou seja, de acordo com as tuas palavras, a verdade é um valor salazarista. Valor esse que tu censuras.

Acho curioso que alguém consiga repudiar um valor tão nobre, como é o caso da verdade, apenas porque o identifica com alguém que não gosta.

Acho igualmente curioso que Salazar tivesse como prioridade o crescimento económico, a transparência nas contas públicas e a honestidade político-social suficientemente capaz de boicotar compadrios e vícios graves que hoje tens com o pós-25 de Abril.

Ou seja, pela tua ordem de ideias, o crescimento económico não integra a tua lista de prioridades, nem todas as outras características em que Salazar se baseava só por ser... Salazar.

Será que Salazar registou a patente sobre todos estes valores e todos os que o seguirem são agentes repugnantes da sociedade? Não esperava um artigo deste género vindo de ti, nem uma comparação infeliz de Manuela Ferreira Leite a Salazar com base numa expressão.

Quantas e quantas vezes Salazar não usou a expressão "avançar Portugal"? Devias consultar esse livro de discursos e constatar que várias.

Por fim, acho curioso que tenhas em tua posse um livro de discursos de Salazar. Saúdo o bom gosto, mas não posso deixar de desconfiar de um socialista que guarda e consulta religiosamente os discursos do Presidente do Conselho para inspirar a sua revolução socialista.