Muito se disse, e justamente criticou, a propósito da falta de ambição e derrotismo da esmagadora maioria dos atletas portugueses. Não retiro uma palavra que tenha dito sobre cada um dos que foram visados neste espaço. Porém, vou fazer as vezes de advogado do diabo e fazer referência ao "outro lado da moeda". Praticamente nenhum dos atletas portugueses presentes em Pequim foi exemplo para quem quer que fosse. No entanto, que moral têm os portugueses para exigirem resultados a indivíduos que só passaram a conhecer após o início dos Jogos Olímpicos? Infelizmente, em Portugal só se lembram do remo, da vela, do badminton, entre tantas outras modalidades, de quatro em quatro anos, quando se realizam novos Jogos Olímpicos. Passamos quatro anos inteiros a borrifar-nos para praticamente todas as modalidades e respectivos atletas, mas quando começam as Olimpíadas subitamente renasce a "Olimpidite aguda" e passamos todos a fazer exigências em modalidades que nem sequer sabemos se têm regras, quanto mais as regras em si.
Dou como exemplo o râguebi. Lembram-se da "febre dos Lobos" que atacou Portugal inteiro? Ninguém sabia o que era um ensaio ou uma placagem, mas toda a gente queria ver râguebi. Muitos chegaram mesmo a exigir aos nossos atletas que não perdessem por mais de 100 contra a Nova Zelândia, etc, sem sequer saberem como é que é feita a contagem dos pontos. Subitamente, os portugueses desataram a fazer pesquisas na internet sobre as regras deste desporto, sabiam a equipa portuguesa de trás para a frente, e a equipa caiu no goto dos desportistas de sofá quando cantaram o hino nacional com toda aquela emotividade. Recordo-me que o râguebi chegou a ser tema de discussão no Parlamento, com o CDS/PP a insurgir-se contra a não transmissão dos jogos do mundial em que a selecção nacional participava. O CDS/PP arrastou consigo algumas centenas de milhar de telespectadores que se rebelaram contra o Governo e contra a RTP, desconhecendo que a grelha anual e a definição de prioridades é feita no ano anterior, e que só em 2007 a selecção portuguesa garantiu o apuramento, mesmo quando nada o fazia prever. Recordo-me ainda que na altura as vendas de camisolas de râguebi dispararam, e muitos foram os portugueses que colocaram os seus filhos nas escolas da modalidade, não tendo a oferta conseguido responder a tamanha procura. Agora faço uma pergunta: finda a "febre do râguebi", quantos é que continuaram a acompanhar a carreira dos "Lobos"? Quantos é que sabem as competições e jogos que os "Lobos" fizeram desde então? Quem é que sabe dizer um resultado que seja da nossa selecção nacional, tirando aqueles que de facto sempre acompanharam a modalidade e que se contam pelos dedos de uma mão? A verdade é esta: todos nos estamos a lixar para os "Lobos", a não ser que participem em alguma grande competição como o próximo mundial.
Com os Jogos Olímpicos, a história é a mesma. Ninguém sabe o que é o ippon no Judo, quantas regatas têm a prova de vela, quais são as marcas vistas como minimamente aceitáveis no lançamento do peso, ou quantos pontos tem um set no badminton. Alguém sabe quem são as principais potências no judo, no remo, no salto em comprimento, ou no lançamento do dardo? Alguém alguma vez tinha sequer ouvido falar nos nomes Marco Fortes, Helder Ornelas, Maria do Carmo Tavares, Pedro Póvoa, Diogo Ganchinho ou Débora Nogueira? Praticamente ninguém, garanto. Porém, uma coisa todos exigem: medalhas! Ouro, prata, bronze ou de lata, mas medalhas! É preciso trazer qualquer coisa! Na verdade, as pessoas só passaram a exigir medalhas a Francis Obikwelu, desde que este foi medalha de prata em Atenas. Só exigiram medalhas a Nelson Évora e Naide Gomes, porque estes "ganharam uma medalha de ouro ou de prata lá fora", sem sequer saberem onde! A Vanessa Fernandes foi exigido o ouro porque sabem que ela bateu vários recordes e ganhou várias provas, sem saberem quais. Aliás, poucos eram os que sabiam que Vanessa Fernandes tinha desistido recentemente em Pontevedra e Hamburgo, por cansaço e hipotermia e a sua participação em Pequim podia estar comprometida. Mas que interessa isso? Interessam é as medalhas! E a Vanessa tinha que trazer uma!
Sejamos sinceros: nos próximos quatro anos, só vamos voltar a acompanhar as carreiras de Nelson Évora e Vanessa Fernandes quando estes voltarem a trazer medalhas. Até lá... serão meros atletas que é bom que apresentem resultados em 2012, caso contrário, voltam ao campo de fuzilamento onde todos os outros estiveram este ano. Não foi Tiananmen, mas não andou longe. Castigá-los pelas manifestações públicas de estupidez e derrotismo, não é censurável. Censurável é exigirem-se medalhas e resultados a desconhecidos. Mas o que é verdadeiramente mau é darem a benção aos atletas que até horas antes eram severamente castigados, assim que viram o brilho no ouro de Nelson Évora.
Dou como exemplo o râguebi. Lembram-se da "febre dos Lobos" que atacou Portugal inteiro? Ninguém sabia o que era um ensaio ou uma placagem, mas toda a gente queria ver râguebi. Muitos chegaram mesmo a exigir aos nossos atletas que não perdessem por mais de 100 contra a Nova Zelândia, etc, sem sequer saberem como é que é feita a contagem dos pontos. Subitamente, os portugueses desataram a fazer pesquisas na internet sobre as regras deste desporto, sabiam a equipa portuguesa de trás para a frente, e a equipa caiu no goto dos desportistas de sofá quando cantaram o hino nacional com toda aquela emotividade. Recordo-me que o râguebi chegou a ser tema de discussão no Parlamento, com o CDS/PP a insurgir-se contra a não transmissão dos jogos do mundial em que a selecção nacional participava. O CDS/PP arrastou consigo algumas centenas de milhar de telespectadores que se rebelaram contra o Governo e contra a RTP, desconhecendo que a grelha anual e a definição de prioridades é feita no ano anterior, e que só em 2007 a selecção portuguesa garantiu o apuramento, mesmo quando nada o fazia prever. Recordo-me ainda que na altura as vendas de camisolas de râguebi dispararam, e muitos foram os portugueses que colocaram os seus filhos nas escolas da modalidade, não tendo a oferta conseguido responder a tamanha procura. Agora faço uma pergunta: finda a "febre do râguebi", quantos é que continuaram a acompanhar a carreira dos "Lobos"? Quantos é que sabem as competições e jogos que os "Lobos" fizeram desde então? Quem é que sabe dizer um resultado que seja da nossa selecção nacional, tirando aqueles que de facto sempre acompanharam a modalidade e que se contam pelos dedos de uma mão? A verdade é esta: todos nos estamos a lixar para os "Lobos", a não ser que participem em alguma grande competição como o próximo mundial.
Com os Jogos Olímpicos, a história é a mesma. Ninguém sabe o que é o ippon no Judo, quantas regatas têm a prova de vela, quais são as marcas vistas como minimamente aceitáveis no lançamento do peso, ou quantos pontos tem um set no badminton. Alguém sabe quem são as principais potências no judo, no remo, no salto em comprimento, ou no lançamento do dardo? Alguém alguma vez tinha sequer ouvido falar nos nomes Marco Fortes, Helder Ornelas, Maria do Carmo Tavares, Pedro Póvoa, Diogo Ganchinho ou Débora Nogueira? Praticamente ninguém, garanto. Porém, uma coisa todos exigem: medalhas! Ouro, prata, bronze ou de lata, mas medalhas! É preciso trazer qualquer coisa! Na verdade, as pessoas só passaram a exigir medalhas a Francis Obikwelu, desde que este foi medalha de prata em Atenas. Só exigiram medalhas a Nelson Évora e Naide Gomes, porque estes "ganharam uma medalha de ouro ou de prata lá fora", sem sequer saberem onde! A Vanessa Fernandes foi exigido o ouro porque sabem que ela bateu vários recordes e ganhou várias provas, sem saberem quais. Aliás, poucos eram os que sabiam que Vanessa Fernandes tinha desistido recentemente em Pontevedra e Hamburgo, por cansaço e hipotermia e a sua participação em Pequim podia estar comprometida. Mas que interessa isso? Interessam é as medalhas! E a Vanessa tinha que trazer uma!
Sejamos sinceros: nos próximos quatro anos, só vamos voltar a acompanhar as carreiras de Nelson Évora e Vanessa Fernandes quando estes voltarem a trazer medalhas. Até lá... serão meros atletas que é bom que apresentem resultados em 2012, caso contrário, voltam ao campo de fuzilamento onde todos os outros estiveram este ano. Não foi Tiananmen, mas não andou longe. Castigá-los pelas manifestações públicas de estupidez e derrotismo, não é censurável. Censurável é exigirem-se medalhas e resultados a desconhecidos. Mas o que é verdadeiramente mau é darem a benção aos atletas que até horas antes eram severamente castigados, assim que viram o brilho no ouro de Nelson Évora.
1 comentário:
Infelizmente, falas verdade.
Bastaria o senso comum e algum poder de observação para podermos todos constatar aquilo que tu passaste para escrito mas, sem que seja necessária confirmação, aqui a tens, de um indivíduo que acompanha estas modalidades (e ainda outras que não são olímpicas, como o rugby, o hóquei em patins, o futsal, etc...) antes, durante e depois destas (e de outras) grandes competições.
É uma pena que aparentemente ninguém esteja interessado em constatar esta instabilidade no comportamento luso e, mais grave, em reverter a mesma.
Isso e algum apoio das pessoas, do estado (nas infra-estructuras e aos atletas individuais) e dos media, naquelas alturas do ano em que a RTP e 300 TV internacionais NÃO estão a cobrir as respectivas modalidades seria o suficiente.
O artigo está muito bom. Um abraço.
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