O Bar Velho inicia hoje uma rubrica reservada a entrevistas feitas por nós a individualidades ligadas aos vários sectores da sociedade. O nosso primeiro convidado dispensa apresentações. O dr. Paulo Pedroso é o candidato pelo Partido Socialista à Câmara Municipal de Almada. Sociólogo, integrou o XIV Governo Constitucional, sendo Ministro do Trabalho e da Solidariedade durante o período 1999-2002.
Desafiámos o dr. Paulo Pedroso para uma entrevista, a qual foi prontamente aceite pelo próprio. Nas perguntas que lhe fizemos procurámos falar da sua candidatura a Almada, do poder local e até um pouco de si próprio.
Agradecemos-lhe uma vez mais a disponibilidade e o interesse demonstrados, fazendo ainda votos de felicidades para as eleições de 11 de Outubro próximo.
Bar Velho: Na apresentação da sua candidatura confessou que Maria Emília tem feito um trabalho bastante positivo, mas que consigo é possível evoluir ainda mais. Em que é que pode fazer a diferença?
Paulo Pedroso: Não foi bem isso que disse. Mas não sou o tipo de político que pensa que antes dele só houve desastres. Evidentemente que Maria Emília de Sousa, que é Presidente de Câmara há 22 anos, fez o melhor que soube e os seus mandatos têm aspectos positivos, não só negativos. Penso, contudo, que os aspectos positivos têm vindo a diluir-se no tempo, ao passo que os negativos se agravam.
Nos últimos anos acumularam-se erros que é urgente corrigir e destruíram a vida do centro urbano. Nunca houve o investimento devido no desenvolvimento, em particular turístico da Costa da Caparica. Nunca houve uma estratégia municipal para encontrar alternativas de emprego após a profunda crise dos anos oitenta que levou consigo a indústria naval. A reconversão dos bairros clandestinos – as AUGI – não foi incentivada e o concelho atrasou-se nessa matéria. Falta política social alternativa à concentração da exclusão em gigantescos bairros sociais. A Câmara foi agente activo da especulação imobiliária, procurando maximizar as receitas e descurando o equilíbrio urbanístico do concelho.
Por outro lado, há uma visão demasiado paroquial do concelho. Vejo Almada como parte de uma grande cidade do sul do Tejo que luta de igual para igual com Cascais, Sintra e Oeiras na atracção de investimento como na afirmação metropolitana em todas as áreas. Nada disso tem acontecido.
Se vencer em Almada, quais são as cinco grandes prioridades de um Executivo camarário consigo na Presidência?
- Aumentar a mobilidade e devolver a vida ao centro da cidade, revogando o plano Mobilidade XXI, completando as infraestruturas viárias e colocando todos os pontos do concelho a uma distância inferior a 30 minutos do centro, em transporte público;
- Tornar o concelho mais cosmopolita, potenciando muito melhor a relação com Lisboa, o rio e o mar, adoptando uma estratégia ofensiva de captação de investimento moderno e emprego, em competição com os outros pólos da área Metropolitana de Lisboa, afirmando-o como um concelho ambientalmente sustentável, tornando-o num pólo de nível nacional das artes do espectáculo e afirmando a Costa da Caparica como grande complexo de praias da capital do país, activo todo o ano;
- Reequilibrar urbanisticamente o concelho, investindo na renovação urbana que tem estado bloqueada, qualificando as áreas degradadas e, em particular, apoiando a reconversão das AUGI, que têm sido esquecidas e metade das quais continuam por reconverter passadas décadas, implicando diversas consequências urbanísticas e sociais de que não ter saneamento básico é apenas um indicador sugestivo;
- Apoiar as famílias trabalhadoras, pela melhoria dos serviços à população, com destaque para os transportes colectivos e para a escola pública, construindo as 60 salas de aula que faltam, distribuindo gratuitamente os manuais escolares do 1º ciclo e garantindo às famílias a escola pública a funcionar das 7 às 19 horas para todos;
- Fazer de Almada um concelho socialmente mais coeso, com uma nova estratégia de apoio ao idosos, combatendo o seu isolamento e promovendo o desenvolvimento social, em particular nos bairros mais carenciados, pela aposta em parcerias com os agentes locais e numa nova política social de habitação, sem novas concentrações de pobreza nem o florescimento de novos bairros da lata
Alguns acusam-no de não ter fortes ligações a Almada e outros preferem vê-lo como culpado num processo em que foi absolvido. Como contraria esta realidade?
Os primeiros estão mal informados e os segundos ainda intoxicados ou já só mal intencionados. Qualquer pessoa que assume funções públicas está exposta a calúnias e falsidades. Infelizmente, por razões que desconheço e que tenho confiança que um dia se apurarão, calhou-me uma dose reforçada de exposição a fenómenos desse género, com a qual terei que saber conviver o resto da minha vida.
Só há uma forma de combater as calúnias e falsidades, que é ser-se quem se é, actuar nos locais e nos momentos próprios e confiar na maturidade democrática dos cidadãos. É o que faço.
Lembro-me muitas vezes da frase de Séneca que servia de lema ao Professor Sousa Franco: “quem teme as tempestades, morre rastejando”.
Uma eventual derrota/vitória do Partido Socialista nas Legislativas poderá influenciar os seus resultados nas autárquicas?
Claro. Só os politólogos mais rebuscados é que podem imaginar que não haja efeito de contaminação entre eleições separadas por quinze dias. Que tipo de influência terá um resultado no outro já é mais difícil de apurar, dado que é uma situação inédita e, acrescento, algo anómala. A bem do respeito pelas pessoas, os actos eleitorais deviam ser ou completamente juntos ou bastante mais separados do que estes vão ser. Mas, como diz António Guterres, é a vida.
Sabendo-se do domínio da CDU em Almada, o que é, para si, um resultado positivo nas próximas eleições?
O fim dos 35 anos ininterruptos de domínio concelhio da CDU e a superação dos obstáculos que esse domínio gerou ao futuro do concelho, porque é Almada que está em jogo.
Afinal, como é que se pode tirar proveito de todo o potencial da Costa da Caparica?
Há muito trabalho por fazer. É preciso acelerar a reconversão urbanística, para remover um obstáculo que tolhe a atracção de investimento turístico. É necessário apostar em grandes eventos na época alta, que mudem a estrutura actual da procura. É indispensável ter uma política de animação todo o ano, que crie o hábito de ir à Costa por razões diversas em diferentes momentos e não apenas “torrar” no pino do Verão. É fundamental melhorar a acessibilidade em transporte público, estendendo o metro, construindo parques dissuasores e lançando uma linha ecológica, cómoda e rápida de transporte colectivo que se estenda da Trafaria à Fonte da Telha. É absolutamente urgente disciplinar a circulação e o estacionamento. É desejável qualificar mais a oferta de restauração e comércio, para potenciar o consumo dos visitantes e turistas.
Como pretende dar vida a um concelho cuja tendência parece ser a de envelhecer?
Almada não é um concelho envelhecido é um concelho em que as famílias jovens não encontram a oferta adequada. Por isso é necessário pensar a política para este grupo estratégico para o desenvolvimento do concelho. Queremos pôr o pré-escolar e a escola pública a funcionar das 7 da manhã às 7 da noite, em apoio às famílias trabalhadoras. Apostamos num dia por semana de abertura do comércio até mais tarde, com a Câmara a apoiar através de um programa especial de animação do espaço público. Vamos afirmar Almada não apenas como o concelho do Festival de Teatro, mas como um pólo de nível nacional das artes do espectáculo, atraindo os lisboetas e os turistas à nossa cidade ao longo de todo o ano e, claro, queremos que o Verão da Caparica seja uma referência nacional dos grandes acontecimentos.
Almada atrai muita gente pela relação qualidade-preço da habitação. Agora há que melhorar essa relação com a maior atractividade da vida no espaço público e a acessibilidade dos equipamentos sociais e culturais.
Os comerciantes criticam a Presidente por projectos como o Almada Fórum, ou o Metro de superfície, responsabilizando o Executivo CDU por ter acabado com o comércio local. No entanto, nota-se também que a oferta dos comerciantes é bastante limitada e os seus horários de trabalho incitam os almadenses a recorrer ao Almada Fórum. Como pretende revitalizar e aumentar o comércio no concelho?
Entrou-se num ciclo vicioso que é preciso interromper.
A forma imediata de o fazer é a revogação do Plano mobilidade XXI, tendo como consequência a reabertura ao tráfego do centro da cidade e a reformulação da circulação do trânsito que se tornou caótica nas ruas laterais. O que a CDU fez foi equivalente do que seria em Lisboa fechar ao trânsito o Marquês de Pombal e parte da Avenida da Liberdade ou em Setúbal a Avenida Luísa Todi.
No curto prazo há ainda que adoptar as medidas de reequilíbrio em favor do centro da cidade que faltaram quando abriu o Almada Fórum. Devia ter sido criada uma Loja do Cidadão que por incompetência negocial da Câmara continua por criar, apesar de haver conversas sobre o assunto há seis anos. Não se invoque a esse respeito aspectos de discriminação partidária que não existem. Recorde-se que o Seixal, que também é gerido pela CDU, assinou há poucos meses um protocolo para ter a sua Loja do Cidadão.
Propusemos aos comerciantes um programa de incentivo à modernização, dotado com dois milhões de euros, destinado a co-financiar projectos de investimento na modernização do comércio tradicional. Também lhes propusemos que adoptem um dia semanal de abertura até mais tarde, por exemplo até às 22 ou até às 23 horas. Se o fizerem, a Câmara compromete-se nesse dia a realizar iniciativas diversificadas no espaço público que encorajem as pessoas a vir até ao centro e fará a promoção adequada desta estratégia. Programas semelhantes funcionam com sucesso, por exemplo, em cidades holandesas.
Vamos também redesenhar as avenidas de Almada e construir a parte que ficou por fazer do Túnel do Brejo, para que haja uma circular urbana interna, ligando o largo de Cacilhas ao Centro-Sul, de um lado através do actual sistema de avenidas e do outro, seguindo junto à Lisnave até à Cova da Piedade e finalizando em túnel a ligação que ficou interrompida.
O centro não está condenado ao declínio, apenas não tem havido energias para o apoiar.
Deixando o Concelho de Almada mas ainda dentro do poder local, uma eventual regionalização seria benéfica para Portugal? Porquê?
Sou favorável à regionalização, mas penso que é um debate que tem sido empolado, quer pelos seus defensores, que frequentemente vêem nela mais uma oportunidade para a sua afirmação política do que uma estratégia de desenvolvimento, quer pelos seus detractores que, a pretexto do reforço do municipalismo acabam por defender o centralismo. Em todo o caso sou muito céptico a quanto a que se gerem consensos em torno da regionalização nos anos mais próximos.
A Lei das Autarquias Locais limita as competências das Assembleias e das Juntas de Freguesia, limitando a sua influência junto da Câmara caso sejam de cores partidárias diferentes e restringindo-as meramente ao desempenho de funções a maioria das quais relativas ao seu próprio funcionamento. Isto constitui um encargo excessivo para o orçamento destinado às autarquias locais. Como analisa o papel das Juntas de Freguesia? Deveriam as Juntas de Freguesia ser extintas, concentrando as poucas competências que têm na Câmara Municipal, ou deveria ser alargado o respectivo leque de competências?
É necessário preparar uma reforma profunda do nosso modelo administrativo e nesse quadro tenho uma atitude bastante aberta. Como disse, penso que nos falta uma autarquia supramunicipal e, se essa existir, todo o edifício do relacionamento entre as actuais freguesias e os actuais municípios deveria ser revisto radicalmente. Mas estamos muito no início de tal caminho.
No imediato, julgo que nas grandes cidades se pode descentralizar mais competências para as freguesias, nomeadamente nos serviços de proximidade e na gestão de equipamentos.
Quanto ao problema concreto dos executivos de cores partidárias distintas, apenas vos digo que sou um democrata radical e nunca discriminarei um executivo de freguesia pela cor política do seu presidente. Julgo que mesmo no actual quadro, a arbitrariedade municipal na transferência de verbas deve ser suprimida. Há bons exemplos nesse domínio, infelizmente não em Almada. Aqui, nos últimos quatro anos, as freguesias da Trafaria e da Charneca de Caparica foram discriminadas por serem do PS. Talvez a subserviência do PSD a nível concelhio à CDU não seja, aliás, estranha, à partilha de poder que têm na freguesia da Costa de Caparica.
Estou convencido que, em Almada, as várias uniões de facto entre a CDU e o PSD são contrárias ao sentido que os eleitores pretendiam dar ao seu voto e resultam, pelo menos em parte, do fenómeno perverso que enunciam na pergunta.
No sistema político nacional, o Governo é exclusivamente composto por elementos do partido mais votado nas eleições à Assembleia da República. É ainda sabido que a existência de vereadores da oposição tende a condicionar o mandato do partido que lidera a Câmara. Concorda com uma aplicação parcial da regra escolhida para a composição do Governo nacional para o poder local, um género do popular “winner takes all” nos EUA, permitindo que o partido que obtenha maioria de votos seja aquele que tem direito a todos os lugares no Executivo camarário?
A vossa afirmação de base não é verdadeira. O Primeiro-Ministro é indigitado para formar uma maioria que o apoie no Parlamento que pode ter e já teve diversas formas, incluindo o caso extremo dos governos de iniciativa presidencial. O nosso sistema eleitoral para a Assembleia da República é proporcional. Esses sistemas, ditos “consensuais” tendem a gerar coligações. Só que em Portugal a esquerda tem um bloqueio quanto a essas coligações que dura desde o 25 de Novembro e não parece ter fim à vista. A direita, aliás, coliga-se naturalmente, como aconteceu entre 2002 e 2005.
Ao nível autárquico, penso que o modelo que sugerem teria imensos efeitos negativos, reforçando o caudilhismo pacóvio em certas circunstâncias e o predomínio dos aparelhos partidários noutras. É ilusório pensar que as oposições conseguem fiscalizar os executivos camarários nas Assembleias Municipais. É na vereação que é possível fazê-lo. Por outro lado, a lei actual conseguiu gerar com sucesso boas experiências de partilha de poder entre vencedores e vencidos que foram benéficas para o poder local.
Julgo que se deve aumentar o nível de consensualidade do exercício do poder local e não reforçar artificialmente o poder absoluto dos vencedores, que apenas dificultaria a democracia local.
Em Almada, se o predomínio partidário do PCP sobre a autarquia gerou abusos com o actual sistema, imaginem o que teria gerado nestes trinta e cinco anos se a oposição nunca tivesse tido os meios eficazes de cercear esses abusos.
A lei da paridade tem causado alguma polémica por obrigar os partidos a integrarem obrigatoriamente mulheres nas listas, privilegiando a quantidade e não a qualidade. Concorda com esta regra? E com a integração das mesmas mulheres em diversas listas?
Concordo totalmente com a lei da paridade. Não há nenhuma razão para que haja mais de dois terços de homens ou de mulheres nos órgãos colegiais. A pretexto da defesa da qualidade está-se apenas a tentar tornar aceitáveis os mecanismos discriminatórios no funcionamento dos partidos.
A minha lista para a Câmara, aliás, é rigorosamente paritária, tendo tantas mulheres como homens e tem, nuns e noutros, as pessoas melhor preparadas para os cargos a que se candidatam.
Concorda com a criação de círculos uninominais? Porquê?
Sou a favor do chamado “sistema alemão”, em que o eleitor sabe em quem vota, porque há círculos uninominais de candidatura e em que a proporcionalidade é respeitada porque há círculos proporcionais de apuramento. Julgo que é preciso encontrar um equilíbrio entre a relação eleitor-eleito e a governabilidade melhor que o actual, mas não sou favorável a que se sacrifique a proporcionalidade.
No seu entender, deveria ser possível que listas independentes se candidatem à Assembleia da República?
Sou, embora tema a emergência de regionalismos descontrolados.
Considera a possibilidade de desempenhar outros cargos políticos? Quais?
Quando me candidatei a Almada fiz uma opção que implica disponibilidade total. Não sou candidato a rigorosamente mais nada na política. Se os cidadãos de Almada me derem a sua confiança, retribuo-lhes com a minha dedicação.
Quais são os locais em Almada onde passa o seu tempo e que restaurantes mais frequenta?
Por razões familiares, Cacilhas é o meu poiso mais frequente. Sou cliente habitual, sobretudo fora do Verão, da Costa da Caparica e gosto de ir ver o Tejo em diferentes pontos do concelho.
Sou fiel ao peixe grelhado na Cabana do Pescador, à vista sobre o mar do Kontiki, aos mariscos da Cabrinha e do Farol, à qualidade da confecção e à vista do Amarra ó Tejo. Na Trafaria, prefiro o Piri-Piri.
O que são para si as férias ideais?
Dois meses a descobrir a Índia. Estão adiadas mas hão-de ver a luz do dia.
A que é que costuma dedicar-se nos tempos livres?
Se não estou a navegar na net, ando por aí com a família, estou a recuperar leituras atrasadas, a recarregar o IPod ou a esvaziar as prateleiras de filmes que ainda estão por ver.
Que género de música aprecia?
Sou eclético, mas fixo-me recorrentemente no jazz e aparentados, na pop, no que designámos por rock português e nos cantautores. De vez em quando, normalmente aconselhado pelo Y [suplemento do jornal Público], descubro um nome ou um grupo que junto à lista de preferências.
Faço ainda umas incursões por conta própria pela música erudita contemporânea, contudo muita moderação de há uns anos a esta parte, porque me falta o tempo para investigar.
Indique cinco palavras que o definam.
Ambição, Coerência, Coragem, Dedicação, Diplomacia.