Lembro-me com bastante agrado das aulas de Ciência Política, ministradas pela Prof. Maria João Estorninho. Muito clara, assertiva, e muito profissional. Lembro-me ainda dos manuais recomendados por ela: os livros do Prof. Freitas do Amaral, os do Prof. Jorge Miranda e até o de Introdução do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa davam umas luzes interessantes.
Creio que aprendi bem a lição e retive bem a matéria no tocante aos fins e às funções do Estado. Fiquei a saber que os fins do Estado são a segurança, a justiça e o bem-estar económico, social e cultural. Por segurança, entende-se a segurança interna e externa, a segurança individual e a colectiva. A justiça compreende a "substituição, nas relações entre os homens, do arbítrio por um conjunto de regras capaz de consensualmente estabelecer uma nova ordem e, assim satisfazer uma aspiração por todos sentida", de acordo com a definição de Marcelo Rebelo de Sousa. A justiça poderá ser comutativa (tratar tudo da mesma forma), ou distributiva (tratar igual o que é igual, tratar de forma diferente o que é diferente), devendo o Estado prosseguir a Justiça distributiva. O bem-estar consiste, ainda de acordo com a definição de Marcelo Rebelo de Sousa, "na promoção das condições de vida dos cidadãos em termos de garantir o acesso, em condições sucessivamente aperfeiçoadas, a bens e serviços considerados fundamentais pela colectividade, tais como bens económicos que permitam a elevação do nível de vida de estratos sociais cada vez mais amplos, e serviços essenciais, por exemplo, os que contemplam a educação, a saúde e a segurança social".
Isto foi o que retive das aulas de Ciência Política ministradas na Faculdade de Direito de Lisboa no ano de 2001/02. Mas parece que aprendi coisas que não são úteis para o dia a dia, não por falta de competência de quem mas ensinou, mas porque não vejo todo este conhecimento e este lirismo ser aplicado no dia-a-dia, senão vejamos:
- Segurança interna: querem diminuir as esquadras de polícia. Aumenta de forma significativa o número de crimes violentos e em grupos organizados, os cidadãos cada vez sentem mais medo ao caminhar nas ruas, os criminosos cometem crimes e cumprem penas leves e desproporcionais aos crimes que cometem, vêm cá para fora e tudo continua da mesma forma. Vi ontem nas notícias que o Governo pretende substituir mais casos de prisão preventiva pela vigilância electrónica, porque em vez de custar 46 euros por dia ao Estado por recluso, custará apenas 16 euros. Ou seja, não se tem como finalidade a adequação da pena ou da medida de coacção à situação do arguido/condenado, mas só se tem em conta o facto de ficar mais barato. Brevemente chegaremos à situação em que o Estado vai querer poupar mais do que 16 euros por dia e substituirá a vigilância electrónica pela não aplicação das medidas de coacção, porque há que poupar! A razão para diminuirem as esquadras de polícia, prende-se com o mesmo motivo: poupar. Diminui a segurança dos cidadãos para se poder poupar. Mais uma vez, pretende-se poupar custos e não adequar as medidas às necessidades dos cidadãos.
- Segurança individual e colectiva: cada vez existe menos. Onde estão as normas executadas pelos órgãos do Estado dos direitos e deveres reconhecidos a cada cidadão? Aqui poderemos falar também da justiça que é arbitrária. Funciona para alguns sectores da colectividade, para alguns indivíduos, mas o critério de proporcionalidade com que a justiça se aplica é apenas o facto de uns pertencerem ao Estado e aos órgãos do Governo e da Assembleia da República e a pessoas com eles relacionadas, e para todos os outros funciona de forma diferente. Não me parece que deva ser este o critério de segurança individual, colectiva e de justiça.
- Bem-estar económico: inexistente para a esmagadora maioria dos portugueses e, mais grave, nem se faz um esforço para conseguir lá chegar. Se ao menos existisse um esforço, mas faltassem meios, poderia compreender. Mas nem sequer se fazem esforços. Aumentam impostos, aumentam preços, os salários quando aumentam é sempre numa percentagem inferior ao aumento de tudo o que implique despesa, os portugueses têm cada vez menos poder de compra, endividam-se cada vez mais (não incluo nesta situação os que se endividam visando a satisfação de caprichos), o desemprego atingiu a taxa mais alta dos últimos 20 anos e o despedimento e encerramento de empresas é cada vez mais uma realidade! O que se faz para mudar a situação? Envia-se o Ministro da Economia à China, para dizer que devem investir em Portugal porque aqui praticam-se valores muito baixos de mão-de-obra, dias depois de se dizer precisamente o contrário em Portugal. O poder de compra é cada vez menor por parte dos portugueses e nisso ajudam pessoas como Manuel Pinho que promovem isso mesmo. Prometem-se 150.000 postos de trabalho, mas só se vê emprego para 1000 e alguns, o número de nomeações do Governo. Despedem-se funcionários públicos, e limitam-se as entradas à função pública, quando o verdadeiro problema reside na produtividade de cada funcionário público, no excesso de regalias, e na falta de motivações para o aumento da produtividade.
- Bem-estar social e cultural: encerram-se maternidades, encerram-se urgências, encerram-se escolas, encerram-se tribunais. Tudo isto tem como razão de ser, não uma necessidade do Estado, ou melhor organização e funcionamento do Estado, mas uma diminuição da despesa. Cada vez mais, o Estado é um agente económico. Sempre foi, mas começa a confundir-se com uma empresa, na qual se começam a confundir os fins do Estado com pro-bono, podendo considerar que o pouco ou nada que temos é melhor do que nada. Onde está a saúde como factor privilegiado da nossa sociedade? A educação? O acesso à justiça? Quem tiver dinheiro que se desloque aos tribunais, meta os filhos numa escola privada, ou desloque-se quilómetros para poder ter acesso a estes serviços. De igual modo a saúde e as maternidades. Criam-se leis que promovem, indirectamente, os incêndios das florestas. A criminalidade passa a ser uma solução para todos aqueles que a ela recorrem, porque falta proporcionalidade das penas e aplicação correcta e justa das mesmas!
Tudo isto, para concluir que o Estado não prossegue os fins que lhe estão traçados. O fim do Estado, sobretudo com este Governo, começa a ser outro que não os supra indicados. O fim do Estado começa a ser só um: o lucro e a diminuição de despesa. Para cumprir este fim, vale tudo: os cidadãos que morram vítimas de crimes, doenças, miseráveis, etc. O que importa é diminuir a despesa. Os interesses dos cidadãos (creio que é para isso que existe o Estado) são secundários. Em primeiro satisfazem-se os interesses das empresas e dos representantes do Estado. Depois vem a sociedade, chamada também... povo!
Quando tenho um Estado com estas características e com estes fins, tenho apenas uma solução: demissão de quem o dirige e gere. Já começa a estar na hora do Presidente Cavaco Silva passar à prática e se deixar de conversações com o Governo e com a Assembleia. Está na hora de mudar!