sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Privar O Direito


"A proliferação descontrolada de Faculdades de Direito privadas mais acentuou a degradação do ensino, lançando para a advocacia milhares de licenciados que não encontram lugar nas tradicionais vias de acesso ao trabalho. Inverteu-se assim a prática anterior, que apenas trazia para a profissão os que tinham a verdadeira vocação e assumiam o risco inerente a uma carreira liberal."

In Arnaut, António - Iniciação à advocacia , 9ª edição , Coimbra Editora, 2006



O descontrolo com que se permitiu, durante vários anos, a abertura desenfreada de cursos de Direito tornou a advocacia, assim como outras profissões jurídicas, uma profissão plural mas esgotada, desgastada, maltratada e ridicularizada aos olhos de muitos.
É lógico que não imputo aos cursos leccionados nas faculdades e universidades privadas a total responsabilidade para a actual situação da Advocacia, e do Direito em geral.
Não posso deixar de criticar a actuação dos sucessivos governos em relação à abertura de novos cursos de Direito. Actualmente existem cerca de 21 cursos de Direito, entre Universidades privadas e públicas. Se tivermos em conta que só existem 5 Universidades Públicas no País, mais uma cooperativa, chegaremos facilmente à conclusão que existem demasiados cursos de Direito em faculdades privadas.
É de conhecimento público que a maioria dos licenciados em Direito seguem a Advocacia, ou seja, todos os anos inundam o mercado de trabalho centenas ou milhares de jovens licenciados, e muitos deles não têm vocação, nem conhecimentos que lhes permitam exercer esta tão nobre profissão.
Também existem Universidades públicas que não zelam pelo Direito, uma vez que permitem que anualmente ingressem centenas de alunos. Esta visão do Direito, não como método de ensino, mas como método comercialista, visando o aumento de receitas através do recurso ao financiamento dos seus estudantes (culpa também dos sucessivos cortes no Ensino Superior, na falta de aposta na qualidade dos nossos estabelecimentos) também temm ferido a profissão.
Ao contrário de muitos, não imputo resposabilidades à O.A. já que entendo que não deve ser esta a resolver um problema do Ensino Superior. Não deverá ser a jusante que se resolverá o problema, teremos que ir à fonte e não arranjar à posteriori mecanismos de minimização dos danos.

É imperativo que se encerrem várias faculdades privadas! É o interesse público que o exige!
É imperativo que se estabeleçam numerus clausus para os cursos de Direito! É o Direito que o exige!
É imperativo que se aposte na formação e na qualidade dos jovens estudantes! É a Sociedade que o exige!
É imperativo que os jovens advogados sejam instruídos de acordo com os melhores valores e deveres éticos da profissão! É a Justiça que o exige!

8 comentários:

ATG disse...

Concordo e subscrevo as tuas palavras por inteiro. No entanto, deixo uma pergunta no ar: a quem incumbe a discriminação positiva no acesso à advocacia? Ao Governo enquanto entidade que atribui a igualdade a esses cursos de Direito duvidosos, à Ordem dos Advogados enquanto entidade que tutela o acesso à advocacia, ou às Faculdades enquanto entidades que formam milhares de licenciados por ano, muitos sem condições para concluir um curso de Direito?

No meu ver a Ordem encontra-se limitada pela actuação do Governo, dado que se o Governo vê as Faculdades da mesma forma e os cursos como credíveis, a Ordem não poderá contrariar essa visão governamental. Assim sendo, creio que impende sobre o Governo a responsabilidade de limitar o acesso aos cursos de Direito, bem como a realização dos cursos de Direito. Incumbe às Faculdades, terem a dignidade de estabelecer "numerus clausus".

Não imputo responsabilidades à Ordem dos Advogados, mas imputo as mesmas às sociedades de advogados que insistem na contratação de licenciados em Direito em Faculdades de Direito duvidosas, cujos nomes não vou revelar porque são do conhecimento público. Temos grandes sociedades do mercado da advocacia, a contratar licenciados com notas que não correspondem aos seus verdadeiros conhecimentos. Choca-me ver licenciados de Universidades Privadas ou de uma certa Universidade Pública a serem preferidos a licenciados na Faculdade de Direito de Lisboa. A FDL é dos únicos sítios que hoje ainda faz jus à boa fama que as Faculdades Públicas tinham antigamente. Não vive de tradições. A FDL tem os seus defeitos, é certo, mas os defeitos a meu ver não são na forma de ensinar. A forma de ensinar é a ideal para o ensino do Direito, o problema é que agora tem que se adaptar a uma nova realidade: péssimos alunos, que não estudam, que não têm hábitos de leitura ou escrita e que não se encontram minimamente preparados para um curso superior. Com isto perde qualidade uma casa que sempre foi conhecida por formar bons juristas, porque em vez das pessoas se adaptarem ao curso (que não conseguem) é o curso que se adapta a eles.

Mas, se eu fosse aluno do ensino secundário e quisesse exercer a advocacia futuramente, ao ver as grandes sociedades com ex-alunos de Faculdades duvidosas, iria certamente preferir licenciar-me numa delas porque saberia que teria notas muito mais altas que as das Faculdades onde se ensina Direito como deve ser, e seria uma prioridade face a esses. É triste, mas é o que acontece.

Apesar do meu longo testamento, subscrevo a opinião do Fernando em tudo!

FFC disse...

Curiosamente, ou não, o Governo não permite a abertura de mais cursos de medicina em Portugal. Porque não permite? Será que não há um défice de médicos em Portugal? É que se não há engana bem!
Contrariamente, licenciados em Direito existem "a pontapé" e o Governo não se preocupa em restringir o acesso! Há cada vez mais cursos de direito em Privadas, permitindo a alunos, muitas vezes sem bases do ensino secundário aceder a um curso tão importante como o de Direito. Enquanto houver dinheiro haverá muitos cursos de direito privados!

FFC disse...

Citando o Prof. Paulo Otero: "Entre a quantidade ainda existe alguma qualidade!"

ATG disse...

Se com Direito o problema já é como é, prefiro não imaginar se ocorresse o mesmo fenómeno com Medicina. Acho que seria melhor entregar a minha saúde ao cuidado de um médico de outro lado qualquer. Um médico proveniente de uma privada qualquer que tivesse lá entrado com média de 15 ou 14... creio que seria bastante duvidoso.

ATG disse...

Acho que não estamos a ver bem o que seria um Médico formar-se nas mesmas condições que um Jurista se forma hoje em dia... e prefiro não ver.

Pedro Sá disse...

Discordo totalmente. Os cursos abrem após aprovação nos termos gerais (o que já de si é uma burocracia que dispensa comentários, que em rigor a selecção dos profissionais deveria caber única e exclusivamente ao mercado).

E faz parte da sociedade actual as pessoas não terem de trabalhar na área correspondente à licenciatura. Bem pelo contrário.

Pedro Sá disse...

Ah, e mais. Ética ??? Que coisa ridícula.

Ética cada um tem a sua. As coisas ou são legais ou ilegais, e sendo ilegais para alguma coisa servem os tribunais.

FFC disse...

Compreendo a tua posição Pedro, e até poderias estar certo. No entanto, no caso da advocacia, o interesse público da profissão impede o livre acesso à mesma.
Também não existe um curso de advocacia, mas de Direito (que tem várias saídas profissionais para além do advocacia), o que significa que não é pelos cursos estarem aprovados e reconhecidos pelo Estado Português, que é assegurado o acesso livre à mesma. Assim não funcionam as regras de mercado (também não nos podemos esquecer que os advogados são parte na administração da justiça, existem muitas consequências dos erros que podem ser causados por quem não dispõe de qualidade e conhecimentos).
Quanto à burocracia para a criação de Universidades privadas, ambos sabemos que o dinheiro faz milagres... se acontece com todas as Universidades Privadas não sei, o que sei é que o dinheiro ultrapassa qualquer burocracia...

Abraço