Tenho assistido às manifestações dos professores relativamente ao sistema de avaliação dos docentes de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário. A lei encontra-se
aqui. Sou totalmente favorável à avaliação dos professores, mas não sou favorável a esta forma de avaliação de professores. Sim, os professores têm que ser avaliados, mas jamais poderão ser avaliados tendo em conta
"a melhoria dos resultados escolares dos alunos" ou
"a redução do abandono escolar" (artigo 9.º, número 1, alíneas a) e b); artigo 16.º do Decreto-Regulamentar 2/2008). Este critério constitui, desde logo, uma injustiça quer para os professores, quer para os alunos. O docente apenas tem controlo sobre a matéria que ensina e como a ensina, não tendo qualquer controlo nos níveis de atenção e aplicação de um aluno. Também não cabe ao docente obrigar o aluno a frequentar as aulas. Ora, se tais critérios não dependem exclusivamente do professor, fazer com que este seja beneficiado ou prejudicado em função deles, é o mesmo que adjudicar a avaliação dos professores ao nível de pluviosidade em Portugal no decorrer de um ano lectivo, ou à variação do valor das acções da Novabase nesse mesmo espaço de tempo. O docente corre exactamente o mesmo risco com todos estes critérios. Se o aluno quiser faltar às aulas, ou desistir de estudar, o professor está desgraçado. Se o aluno tiver testes miseráveis, o docente terá que o aprovar para não ser prejudicado na avaliação. Estes critérios prejudicam, gravemente, a qualidade do ensino em Portugal, por se correr o risco de continuarmos a ter diplomados em elevada escala, mas de qualidade bastante duvidosa.
Por outro lado, teremos vários cães ao mesmo osso, em virtude de todos os docentes de determinada disciplina quererem ficar com as melhores turmas, desprezando as mais carenciadas, onde correm o risco de obter uma avaliação menos positiva e serem responsabilizados pela negligência dos alunos, por melhor que ensinem a matéria designada.
Devemos ainda saber como se avalia a "relação pedagógica com os alunos" (artigo 17.º, número 1, alínea c)). Certos alunos motivam-se mais com umas cadeiras (as que compreendem uma vertente mais prática e mais facilmente aplicável à vida activa) do que com outras (filosofia, matemática, etc). Não são poucos os casos dos professores dessas ditas cadeiras complicadas que são vulgarmente maltratados, ou por quem os alunos manifestam maior desprezo e indiferença. Pelo facto de ensinarem uma cadeira que muito dificilmente consegue cativar a maioria dos alunos, deve o professor ser prejudicado? O conceito
"relação pedagógica com os alunos" é demasiado vago. A diferença na relação professor-aluno também varia em função da idade e sexo do professor. Deverá o professor tipo ser homem, de barbas, com alguma idade e autoritário?
É de referir ainda a complicação criada por este Decreto-Regulamentar, que complica um sistema de avaliação que podia ser fácil, e que faz a avaliação do professor depender de actos discricionários e factos incertos. Cria ainda a figura da entrevista e faz com que o professor vá bem mais além do ensino, obrigando-o a praticamente fazer parte da gestão escolar e não do ensino propriamente dito. É um factor de valorização
"exercer outros cargos de função pedagógica" (artigo 18.º, número 1, alínea e), ponto ii). Nem todos os professores terão acesso a esse tipo de funções, porque nem todas as escolas têm essa capacidade/disponibilidade.
Por fim, é também importante ver que o Ministério da Educação pretende que o sistema de avaliação de docentes se aplique ao presente ano lectivo. A meio do campeonato, alteram-se as regras do jogo, de forma injusta. O sistema de avaliação dos docentes deverá começar no início do ano lectivo seguinte àquele em que a lei entrou em vigor.
Resumindo, com este sistema de avaliação, pretende-se equiparar os professores, cuja actividade compreende um maior desgaste psíquico e intelectual, a funcionários industriais que auferem e são beneficiados ou prejudicados, em função dos números que atinjam.
A Ministra da Educação complicou algo que podia não ser tão complicado, se a avaliação compreendesse um Conselho Científico que avaliasse o desempenho dos professores tendo em conta critérios de natureza objectiva, como a avaliação de conhecimentos, a avaliação do desempenho nas aulas, os métodos pedagógicos utilizados, entre outros de natureza mais simplista e objectiva, ao contrário desta tremenda confusão que promete fazer a folha aos incompetentes, e até aqui tudo bem, mas também aos competentes. Poderão eventualmente sobrar a esta autêntica razia os "porreiros" que podem não ter qualidade para a docência, mas dão boas notas e falam os tais "bué fixe", "totil", etc, com os seus alunos. Sócrates tem uma batata demasiado quente nas mãos. Devia ter reformulado o Ministério da Educação ao mesmo tempo que o da Saúde e o da Cultura. Agora, demitir Maria de Lurdes Rodrigues será uma derrota política para o PS e para Sócrates, a cerca de um ano das eleições. Mantê-la no Governo será também uma derrota política para o PS e para Sócrates, a cerca de um ano das eleições. As opções não são muitas, mas é certo que a Ministra da Educação terá que largar a pasta a muito curto prazo, sendo este um dos casos em que a demissão do Ministro é a atitude mais correcta. Porém, para que Sócrates o faça, terá que "queimar" Maria de Lurdes Rodrigues, manifestando total repúdio face a este sistema de avaliação de docentes, e considerando que foi um erro colocá-la à frente da Educação nacional. Não é fácil, mas é politicamente melhor assumir o "erro de casting" do que tapar o sol com a peneira. A hipocrisia só ficará mal a Sócrates e ao PS.